EXCLUSIVO: “É preciso compreender a complexidade do enoturismo para além do seu viés econômico”, afirma Hernanda Tonini, coordenadora do Encontro Brasileiro de Enoturismo

por José Falcón Lopes
“É preciso compreender a complexidade do enoturismo para além do seu viés econômico, entendendo seus benefícios e suas consequências não apenas para vinícolas e empreendimentos turísticos, mas para a comunidade local como um todo. Ver no enoturismo a possibilidade de desenvolvimento regional e para isso planejamento é fundamental”. A afirmação é da Professora Doutora Hernanda Tonini do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), coordenadora do I Encontro Brasileiro de Enoturismo, que vai acontecer entre os dias 22 e 24 de outubro na cidade de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha.
Doutora em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), Hernanda Tonini explica nesta entrevista exclusiva para a Coluna VinhosBahia que o enoturismo é “um fenômeno que envolve os princípios da hospitalidade, as relações entre indivíduos, as trocas culturais, o conflito de interesses, a valorização (ou não) do patrimônio, entre muitos outros aspectos”.
Ela aponta também para a hipótese de que talvez a maior dificuldade para o desenvolvimento do enoturismo no Brasil esteja no planejamento das regiões e roteiros enoturísticos com a participação de órgãos públicos e da iniciativa privada. Uma entrevista fundamental para todos que integram a cadeia produtiva do enoturismo em nosso País. Boa leitura.
Coluna VinhosBahia: Como a senhora analisa o estágio atual de desenvolvimento do enoturismo no Brasil quando comparado a países latino-americanos com maior tradição vitivinícola como a Argentina e o Chile, ou em relação aos principais polos de enoturismo da Europa e dos EUA?
Profa. Dra. Hernanda Tonini: A atividade enoturística deu um grande salto em nosso País por conta da expansão das regiões produtoras, em especial na última década, em virtude de um trabalho conjunto entre instituições de ensino e pesquisa junto com a iniciativa privada, que possibilitou a ampliação da produção vitivinícola para diferentes estados brasileiros.
Comparações são sempre complexas visto que cada local, cada país, tem seu próprio contexto sociocultural e econômico, interferindo diretamente na forma como o enoturismo se desenvolve. Mas levando esses aspectos em consideração, é exatamente pelo viés cultural que a região Sul do País, mais precisamente a Serra Gaúcha, foi quem abriu as portas ao enoturismo no Brasil. Embora relativamente recente, cabe destacar que temos uma oferta em termos de experiências e infraestrutura competitiva em relação a outras regiões tradicionais ou emergentes, mundo afora.
Vale lembrar que em Bento Gonçalves ultraamos a marca de um milhão e meio de visitantes, com ênfase para turistas nacionais. Já em regiões tradicionais, o número de turistas estrangeiros é mais relevante, embora o turismo doméstico tenha um papel importante em muitos destinos enoturísticos. Talvez nossa maior dificuldade esteja em relação ao planejamento das regiões e roteiros enoturísticos, com a participação de órgãos públicos e iniciativa privada em todos os estágios, desde a concepção, a promoção, o acompanhamento, as medidas protetivas e de estímulo, as ações de qualificação, entre outros.
É preciso compreender a complexidade do enoturismo para além do seu viés econômico, entendendo seus benefícios e suas consequências não apenas para vinícolas e empreendimentos turísticos, mas para a comunidade local como um todo. Ver no enoturismo a possibilidade de desenvolvimento regional e para isso planejamento é fundamental.
Coluna VinhosBahia: Como as universidades e institutos de pesquisa podem contribuir para o desenvolvimento do enoturismo no Brasil?
Profa. Dra. Hernanda Tonini: As universidades e Institutos Federais tem muito a contribuir para o desenvolvimento do enoturismo em nosso País, para além da formação de profissionais que atuam no setor vitivinícola, algo que ocorre desde a década de 1960, sendo o Colégio de Viticultura e Enologia (atual IFRS Campus Bento Gonçalves) o precursor nesse aspecto. Atualmente temos cursos voltados à viticultura e enologia em diversos estados brasileiros, no entanto ainda existe uma carência de profissionais com conhecimentos para trabalhar (e desenvolver) o enoturismo, até mesmo pela falta de cursos qualificação nesse tema.
Não se trata apenas da formação de guias ou sommeliers, mas principalmente de uma visão mais integradora em relação à atividade enoturística, compreendendo seu escopo holístico e seu diálogo com a região como um todo. Enoturismo não é apenas uma atividade econômica que tem por fim comercializar vinhos e serviços, vai muito além disso. Estamos falando de um fenômeno que envolve os princípios da hospitalidade, as relações entre indivíduos, as trocas culturais, o conflito de interesses, a valorização (ou não) do patrimônio, entre muitos outros aspectos.
Ao mesmo tempo, é fundamental que gestores da iniciativa privada e órgãos públicos tenham ciência de que o enoturismo requer técnica e conhecimento, como outras profissões. Nesse sentido, as instituições de ensino podem contribuir com o desenvolvimento do enoturismo desde a qualificação por meio da oferta de cursos, a realização de pesquisas com o setor produtivo, o apoio à promoção das regiões, a organização de eventos para geração de conhecimento, entre tantas outras formas.
Coluna VinhosBahia: Qual a expectativa da comissão organizadora em relação à participação dos públicos-alvos e aos resultados deste 1° Encontro Brasileiro de Enoturismo?
Profa. Dra. Hernanda Tonini: Para a comissão organizadora, o primeiro ponto a ser ressaltado se refere à importância de entregarmos um evento nacional voltado aos profissionais e pesquisadores do enoturismo, algo que estávamos sentindo falta frente ao crescimento da atividade enoturística pelo País. Nesse sentido, a expectativa do grupo como um todo é conseguir criar em Bento Gonçalves uma oportunidade para aproximar os desafios, as discussões, as tendências, em relação ao enoturismo em nosso país. Para tal, estamos reunindo esforços em conseguir apoio de entidades do setor, associações, vinícolas, no intuito de realizarmos um evento que represente um pouco da diversidade das regiões e, principalmente, enaltecendo suas características culturais e do terroir. E esperamos que os pesquisadores e aqueles que trabalham no mundo do vinho percebam essa iniciativa como algo que possa render bons frutos. Por isso estamos engajados em buscar o maior número de participantes que tenham algum vínculo direto ou indireto com a atividade enoturística.
Coluna VinhosBahia: Há mais alguma questão importante para destacar sobre o I Encontro Brasileiro de Enoturismo para os leitores da Coluna VinhosBahia?
Profa. Dra. Hernanda Tonini: Quando os membros da Comissão Organizadora se reuniram para trocar as primeiras ideias em relação ao evento – oriundos de diferentes instituições de ensino do País, mas com ligação ao enoturismo – ninguém tinha dúvidas sobre a importância de realizarmos esse encontro, que será um marco no desenvolvimento enoturístico do Brasil. Da mesma forma, entendemos a relevância da continuidade do evento, ou seja, que aconteça nos próximos anos também e de forma itinerante, a cada vez em uma região vitivinícola distinta.
Apesar do interesse na existência do evento como um fórum de discussão do enoturismo, o fato é: alguém vai querer ficar de fora desse momento ímpar para contribuir com o desenvolvimento do enoturismo no Brasil? Seja por meio da divulgação de pesquisas, mediante a promoção das regiões e seus vinhos, no compartilhamento de desafios ou na troca de experiências, o 1º Encontro Brasileiro de Enoturismo será um espaço em que o maior interesse está em gerar conhecimento aplicado à prática e vice-versa. Então, aproveitem a oportunidade.
O prazo de submissão de trabalhos foi prorrogado para até o dia 07/07 e as inscrições no evento também estão abertas através do site https://eventos.ifrs.edu.br/index.php/EBE/1EBE. O IFRS e Bento Gonçalves, a Capital do Vinho, esperam para acolher vocês!
#A Coluna VinhosBahia é assinada pelo jornalista José Falcón Lopes ([email protected]).
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